3 de fevereiro de 2009

Brasileiros de Montreal - parte I

Estudo sobre a presença dos imigrantes brasileiros em Montréal . Veja que interessante a abordagem histórica do autor sobre "a busca do paraíso" na introdução. Ele volta a discorrer o assunto em A parole dos brasileiros e na conclusão.

Primeira parte:
  • Resumo
  • Apresentação
  • Introdução (parte dela)
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    Brasileiros de Montreal

    Luís Carlos Lopes

    Resumen: Este artigo discute o problema da presença dos imigrantes brasileiros em Montreal, sob os pontos de vista históricos, antropológicos e comunicacionais. Procura esclarecer as raízes culturais do Brasil, Canadá e Quebec e seus efeitos na formação do que o texto chama de cultura da imigração.

    Seu principal ponto de apoio é da análise da presença brasileira, frente ao que se denomina, no Quebec, de acomodações razoáveis. Discute as implicações objetivas e subjetivas do mesmo fenômeno. Deseja fixar o que chamou de parole dos brasileiros que habitam a cidade de Montreal. Explora suas percepções e seus modos de comunicá-las.

    A importância deste texto relaciona-se à ampla discussão internacional sobre as migrações em um mundo globalizado. Ao discutir os problemas relacionados a imigração brasileira recente para o chamado primeiro mundo, o autor tenta compreendê-la em sua totalidade, a partir da especificidade do caso montrealense.
    Palabras clave: cultura; comunicação; parole; globalização

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    Apresentação

    O texto que se segue foi escrito a partir da observação direta do problema da imigração para o Quebec e o da permanência dos brasileiros em Montreal. Seu autor viveu um ano (2007) na cidade, na condição de imigrante temporário, pesquisador e de professor universitário [1]. Já conhecia a urbe desde 1987, e lá tinha vivido e estudado por sete meses, entre 1997 e 1998.

    Desta última vez, foi possível ter ainda mais contatos com membros da comunidade brasileira local, fazer entrevistas e conhecer aspectos do trabalho do Consulado brasileiro [2]. Nas livrarias e nas bibliotecas, foram encontradas algumas das fontes em que esta pesquisa se baseou. Mas foi o contato direto com os brasileiros, quebequenses e imigrantes de outras nacionalidades, o que lhe permitiu conhecer melhor do objeto de sua pesquisa. A conversação direta mantida com seus compatriotas foi o elemento mais importante para que se chegasse às conclusões aqui apresentadas.

    As análises realizadas levaram em conta a experiência humana vivenciada. Ela permitiu que se compreendessem melhor os problemas da condição de imigrante brasileiro em Montreal e as questões políticas relativas à imigração para o Quebec. Quis-se reunir, nesta pesquisa, um mosaico de informações e de argumentos que permitisse ao leitor entender em profundidade o que se passa nesta cidade e com os brasileiros que nela habitam. Na verdade, este texto consiste em um estudo preliminar que deverá se desdobrar numa avaliação mais geral da imigração dos brasileiros para o Canadá e, talvez, para os demais países do denominado primeiro mundo. Por isso, algumas de suas passagens vão além do seu principal foco.

    Sua idéia central foi a de capturar a parole dos brasileiros em Montreal, incluindo nisto o ponto de vista específico do seu autor. Seguindo as regras de uma avaliação hermenêutica crítica e de profundidade, buscou-se trabalhar com o contexto histórico-social, os sujeitos envolvidos e seus discursos. Para falar dos brasileiros, foi necessário falar um pouco sobre o Brasil, outro tanto sobre o Canadá, Quebec e Montreal. Espera-se que isto sirva para o leitor se situar na discussão dos significados da presença brasileira na maior cidade francofônica, fora dos domínios territoriais da França.
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    O autor é cônscio que o problema da diáspora brasileira não se resume ao caso montrealense. Ao contrário, a experiência vivida pelos brasileiros nesta cidade tem suas especificidades, mesmo que tenha elementos comuns aos demais casos. As questões levantadas apontam para o conjunto das migrações massivas e contemporâneas para o exterior. Um dos motivos de se escrever este texto foi o de perceber que os candidatos a emigrar pouco sabem do que realmente vão encontrar em outras realidades. Outro foi o do combate ao pouco conhecimento dos que ficam no Brasil sobre o mesmo assunto. A observação de vários atos de propaganda, discursos existentes em sítios eletrônicos e comunidades virtuais permitiu demonstrar o fácil romantismo e a pouca objetividade, na decisão de deixar o seu país natal. A idéia perseguida foi a de fornecer dados e argumentos mais precisos, para quem deseje se aventurar pelo mundo afora.

    O partido deste texto é o dos brasileiros [3]. Ele foi escrito, em português, para eles. Talvez, possa interessar a outros imigrantes. Quem sabe, despertará a curiosidade de pessoas dos países que os recebem. Sabe-se que o problema não tem pátria ou dono. Pertence a toda a humanidade nesta atual fase da modernidade. As migrações internacionais é uma das dimensões menos conhecidas do que se convencionou chamar de globalização. 


    Introdução
    A expectativa de se chegar ao paraíso e a busca dele no espaço terrestre é uma constante desde a Idade Média ocidental. Esta aspiração serviu para fundamentar a cultura da expansão ultramarina e se manteve no processo de colonização, tal como explicou Sérgio Buarque de Holanda (1958), no seu clássico historiográfico, Visões do Paraíso. Portugueses e espanhóis viram nas terras e nos povos descobertos algo referente aos seus ideais edênicos de pureza e elevação humana. Nada disto impediu o extermínio programado e a escravidão dos nativos, até porque o ideal edênico foi facilmente transferido pela empresa colonial, com maior potência, para a geografia natural e suas riquezas.

    Fundamentaram estas visões as idéias de: um clima perfeito, sem maiores oscilações; uma natureza abundante, “onde se plantando tudo dá”; um local paradisíaco acalentado fora dos domínios terreais dos colonizadores; por fim, os indígenas seriam seres humanos que não conceberiam o sexo como eixo central do ‘pecado original’. Houve consenso quanto aos benefícios do clima e da terra de onde se poderiam extrair riquezas e fazer a produção agrícola. A questão dos nativos permaneceu como um paradoxo durante o período colonial, chegando aos dias de hoje como problema não inteiramente resolvido nas culturas das ex-colônias ibéricas.

    Alguns setores da Igreja da Contra-reforma continuaram no caminho da busca e do possível ato de recriação do paraíso por meio da proteção relativa dos indígenas, chocando-se com o poder colonial. Esta posição era relativa, por os entender como carentes da evangelização e do seu agrupamento econômico em torno da hierarquia eclesiástica. A dialética do processo colonial implicou em uma dupla abordagem. De um lado, os nativos foram vistos como empecilhos a serem eliminados ou entes a serem escravizados, ou ainda, submetidos a outros tipos de trabalhos forçados. De outro, em especial os jesuítas, os viram como descendentes diretos do velho paraíso, imaginado por suas cosmogonias. Os esforços político-argumentativos de Bartolomé de las Casas [4] e as ações de resistência dos jesuítas das Missões podem ser compreendidos como fatos da mesma cepa.

    A tradição, trazida pelo colonizador ibérico, compele aos brasileiros atuais a continuar a busca do paraíso. Eles prosseguem na senda de origem do processo colonial. A diferença é que hoje, simplesmente, a invertem. O paraíso terrestre, nesta nova visão edênica, poderá estar no exterior ou, em lugares mais desenvolvidos do Brasil. A crença inabalável na existência de um mundo sem males, além do espaço material em que se vive, implica a busca de saídas para as dificuldades encontradas. Tem-se, no país, uma longa experiência de migrações internas. A forte diferença entre cidade e campo, mimetizada na existente entre o centro e a periferia estimularam e estimulam a busca de eldorados no país ou fora deste.

    A maior parte da população dos grandes centros tem origem em outras regiões. Alguns vieram de longe atravessando a continentalidade brasileira. Outros saíram de suas pequenas cidades no interior da mesma unidade da imensa federação ou de suas proximidades. Pelo menos, os avós das atuais populações de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre etc não nasceram nestas megalópoles. O mais comum é o fato de que o habitante das grandes e médias cidades ser alguém que veio de fora ou filho de quem proveio de outros lugares. A mobilidade geográfica e social do país é conhecida. Ser brasileiro é, na maioria dos casos, existir como uma pessoa com laços de parentesco étnico e geo-espaciais múltiplos. Nos versos do poeta, à busca de reagir contra os regionalismos excludentes:

    O meu pai era paulista. Meu avô, pernambucano. O meu bisavô, mineiro. Meu tataravô, baiano... [5]

    Em outras palavras, ser brasileiro, mesmo oriundo das elites, significa ter raízes espalhadas pelo longo território do país. O processo de urbanização mais aguda tem apenas meio século, que é também o tempo de existência madura do capitalismo industrial do Brasil. As mudanças ocorridas nestas últimas décadas movimentaram enormemente a população, a realocando do interior em direção aos maiores centros urbanos.
    Luis Carlos Lopes

    Notas:

    [1] O autor exerceu a função de leitor do Brasil, escolhido em seleção pública. Foi vinculado ao Consulado brasileiro local e a uma universidade do Quebec.

    [2] Aproveita-se a oportunidade para agradecer ao Sr. Cônsul do Brasil em Montreal, Embaixador Washington Luis Pereira de Sousa, pelo apoio dado a esta pesquisa, bem como aos funcionários do consulado, pelas ajudas prestadas.

    [3] Aproveita-se para agradecer as sucessivas ajudas e esclarecimentos dados generosamente por Ismael Cordeiro, imigrante brasileiro há mais de 16 anos, militante cultural e social, bastante conhecido entre os seus compatriotas de Montreal.

    [4] Ver as obras clássicas de Las Casas e o livro de Tzvetan Todorov sobre a questão do outro (alteridade), versando sobre as opiniões dos colonizadores espanhóis e dos colonizados indígenas, no início do processo de dominação do México e do Caribe.

    [5] Chico Buarque de Holanda. Paratodos.
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    Luís Carlos Lopes é pesquisador e professor universitário.

    fonte: RCI (Rádio Canadá Internacional) 
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    Leia na segunda parte do estudo Brasileiros de Montreal:
    • término da introdução
    Partes seguintes:
    • A realidade política quebequense e a imigração
    • A tentativa das acomodações razoáveis
    • A cidade e a imigração
    • Brasileiros em Montreal
    • A parole dos brasileiros
    • Entrevistados de Montreal
    • Conclusões
    • Bibliografia
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