Continuando nosso estudo, aqui o autor fala dos primeiros imigrantes brasileiros em Québec, Montreal e das recentes emigrações para o Canadá e suas possíveis causas ou escolhas. Ele também pincela um pouco da história da cidade de Montreal.
O que já vimos:
parte I – Resumo, Apresentação e Introdução : Estudo sobre a presença dos imigrantes brasileiros em Montréal . Interessante a abordagem histórica do autor sobre "a busca do paraíso" na introdução. Ele volta a discorrer o assunto em A parole dos brasileiros e na conclusão.
parte II - Nesta segunda parte do estudo Brasileiros de Montreal, o autor fala sobre os imigrantes do Brasil. Discorre acerca da discriminação entre os naturais do país. Em contrapartida, analisa a distinção feita pelos nativos aos estrangeiros, principalmente de nacionalidade européia.
parte III - A realidade política quebequense e a imigração
Nesta terceira parte do estudo, o autor é didático ao subtema que desenvolve.
parte IV - Nesta quarta parte do estudo, vemos o final de "A realidade política quebequense e a imigração". O autor fala ainda sobre o imigrante e o multiculturalismo e possíveis dificuldades de convivência na sociedade quebequense em "A tentativa das acomodações razoáveis"
parte V - Aqui fechamos o subtítulo: "A tentativa das acomodações razoáveis" O autor discorre sobre o problema dos conflitos reais e potenciais entre os imigrantes e os quebequenses de origem. Assunto este que faz parte do Relatório Bouchard-Taylor (2008)
- Brasileiros de Montreal – parte VII
- Brasileiros de Montreal – parte VIII
- Brasileiros de Montreal – parte IX
Brasileiros de Montreal
Luís Carlos Lopes
A cidade e a imigração
A presença de um contingente de brasileiros na cidade de Montreal, no longínquo e gélido Canadá, consiste em um caso especial que merece um exame criterioso. Este talvez possa lançar luzes sobre o conjunto da atual diáspora brasileira. Parte-se do princípio que a imigração é construída a partir de uma cultura. Esta se estabelece através de atos de fala, de uma ‘parole’ [18]que reúne os valores necessários ao convencimento do novo pertencimento e da nova opção de vida.
Esta cultura seria formatada pelos sujeitos envolvidos no processo. Nela estariam presentes: a propaganda oficial do governo e da região de atração dos imigrantes; o modo que as modernas mídias e seus auditórios entendem o país de destino e o percurso dos imigrantes; a compreensão dos que emigram sobre o que fizeram e em que condições desenvolveram suas ações. Por fim, a situação objetiva dos imigrantes no país adotivo.
A presença mais concreta de brasileiros na maior cidade francófona da América do Norte data da década de 1960. Antes, são conhecidos casos da presença de funcionários brasileiros das empresas canadenses que atuavam no Brasil e do pessoal diplomático. O principal motivo da vinda de brasileiros para se radicar no Canadá e especificamente em Montreal foi a diáspora provocada pela ditadura militar. De sua instalação, em 1964, até o começo de sua crise, no final da década de 1970, dezenas de brasileiros se estabeleceram na mesma cidade. Não existem estatísticas de quantos e nem de quanto tempo lá permaneceram. Entretanto, alguns terminaram por se radicar definitivamente, desenvolvendo famílias bastante integradas ao país do exílio. A longa permanência, de mais de uma década [19], fez com que alguns jamais voltassem ou que os membros destas famílias permanecessem no lugar que os acolheu.
As outras levas de imigrantes que optaram pelo Quebec (Montreal) correspondem aos sucessivos problemas históricos, políticos e econômicos vividos no Brasil das duas últimas décadas. As migrações, que escolheram essa província, cidade e país, o fizeram por motivos distintos dos da primeira geração. Não estavam mais tangidos pela ameaça da tortura, da morte, da prisão ou da impossibilidade de trabalhar. Não buscavam, como os anteriores, um lugar onde pudessem viver sem maiores riscos de perseguição política.
A emigração mais recente de brasileiros para o Canadá relaciona-se com a nova diáspora, bastante vinculada ao que se convencionou chamar de globalização. Nesta nova ordem mundial, muitos procuram realizar o que não conseguem em seus torrões natais. Ir para o chamado Primeiro Mundo significa, entre outras coisas, buscar meios de sobreviver com maior dignidade. No caso específico, isto vem ocorrendo por efeito de uma combinação de fatores.
Estes incluíram razões: econômicas, vinculadas às dificuldades de emprego ou de salários condizentes no Brasil; sociais, relativas a estilos de vida considerados impróprios e de difícil exercício no país natal; afetivas, por considerarem o Canadá e, especialmente, a província do Quebec como um lugar especial, onde se poderiam realizar sonhos, em paz e maior segurança. Esta combinação de razões objetivas e subjetivas ainda é sublinhada pelos imigrantes brasileiros que vivem em Montreal. Nelas estariam gravadas as bases para a constituição de uma cultura da emigração, desenvolvida a partir do Brasil. Ocorreria o mesmo no país de destino, com a formação de uma cultura dos imigrados, dos brasileiros neste novo tipo de exílio.
Montreal é uma cidade com uma história de menos de quatro séculos. De há muito, é o centro da presença da francofonia na América do Norte. Ao mesmo tempo, a presença inglesa está fortemente marcada na maior parte do seu urbanismo e arquitetura. Cresceu e chegou ao século XXI com várias outras ambivalências, tal com a de ser a capital econômica e social da província do Quebec, que tem como capital político-administrativa a cidade com o mesmo nome da província.
Sua geografia urbana se divide, no essencial, em dois, os setores anglofônico e francofônico, nem sempre claramente delimitados. Em ambos, situam-se os enclaves multi-étnicos e os bairros com evidentes mesclas lingüístico-culturais. Os dois idiomas oficiais do país são praticados de acordo com as regiões de moradia e os ambientes de trabalho existentes. É forte o avanço progressivo do uso da língua inglesa, bem como a resistência do francês ao modo local, quebequense, que é uma variação idiomática da língua falada na França.
Trata-se de uma cidade industrial, comercial e financeira, concentrando parte significativa dos negócios do país. Seu centro urbano atual é marcado pelos prédios de arquitetura pós-moderna, que convivem com construções de estilo neoclássico, por vezes, vitoriano. Em todo o espaço urbano, nota-se a presença das influências passadas e presentes das duas ex-metrópoles e, hoje, as vindas do vizinho poderoso, isto é, dos EUA. O modo de vida local é similar ao conhecido em todo o Ocidente. O uso do automóvel é muito presente, convivendo com um excelente sistema público de transporte, que combina o uso do metrô, dos ônibus e dos trens que alcançam alguns dos subúrbios mais distantes.
Como em algumas metrópoles dos Estados Unidos, parte substantiva das classes médias abandonou o centro urbano e foi habitar os subúrbios, a partir da década de 1970. Isto aumentou a geografia física da cidade para além do Rio São Lourenço, na margem do qual ela foi erigida. Várias pontes ligaram a ilha fluvial, onde Montreal está localizada, às regiões onde se instalaram suas projeções suburbanas. O grau de verticalização desta urbe ainda é pequeno. A maioria de seus habitantes mora em apartamentos ou casas de no máximo três pavimentos. Entretanto, faz-se notar a especulação imobiliária com o aparecimento de prédios de moradia mais altos, visando maximizar o uso do espaço geo-urbano. (continua na parte VII do estudo)
Notas:
[18] No sentido dado por Breton a esta palavra.
[19] A Anistia política aos opositores da ditadura foi aprovada em 1979 e vem sendo implantada desde lá.
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