8 de fevereiro de 2009

Brasileiros de Montreal - parte II

Nesta segunda parte do estudo Brasileiros de Montreal, o autor fala sobre os imigrantes do Brasil. Discorre acerca da discriminação entre os naturais do país. Em contrapartida, analisa a distinção feita pelos nativos aos estrangeiros, principalmente de nacionalidade européia.

tags: cultura humana, racismo, mestiçagem


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Brasileiros de Montreal
Luís Carlos Lopes



parte II (continuação)

Nas famílias de longa tradição, ricas e pobres, são facilmente encontráveis imigrantes que vieram de outros países. Destes, destacam-se os vindos da Itália, de Portugal e da Espanha, sobretudo entre 1850 e 1930. Neste período, houve notável esforço estatal e privado concebido já na direção de substituir progressivamente a mão-de-obra escrava de origem africana e de se produzir o branqueamento racista almejado pelas elites. Na mesma época, veio gente de toda parte criando influências de caráter universal. Nas décadas subseqüentes, o fluxo imigratório vindo do exterior persistiu, com menor fôlego, mas aportando muitos europeus e asiáticos no território brasileiro. Ainda hoje, o Brasil é receptor de imigrantes, agora vindos, mormente, de outros países da América Latina e de algumas regiões da velha Ásia.


As origens indígenas e africanas, quase sempre negadas, estão estampadas nas faces da população, em vários aspectos da sua produção cultural e das características históricas da ocupação do território brasileiro. De modo recorrente, os brasileiros das classes médias para cima se imaginam como europeus ou seus descendentes. As elites culturais, com honrosas exceções, celebraram um país mítico, uma continuação da Europa, bem longe da verdade bio-histórica da população brasileira. A aceitação social relativa deste descolamento do real é compreensível, como decorrência de uma história eivada pelas formas mais radicais da exploração do homem pelo homem. montrea1
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano de 2000, no último censo nacional realizado, a população brasileira teria chegado aos 170 milhões de habitantes. Destes, 53,7% se autodeclararam como ‘brancos’, 38,5% se entenderam como ‘pardos’, apenas 6,2% se compreenderam como ‘pretos’, 0,4% se disseram ‘amarelos’ e, surpreendentemente, só 0,4% do conjunto da mesma população, se entenderia como ‘indígena’ [6]. Nos moldes desta autocompreensão o Brasil seria um país de ‘brancos’ e ‘pardos’, com minorias de afrodescendentes, ameríndios e orientais. A autodeclaração racial permite a construção livre de identidades, sob forte influência de uma cultura que já foi chamada de ‘democracia racial’, com todos os problemas derivados da busca do consenso social sobre as origens bioculturais dos brasileiros. Todas as culturas humanas constroem representações do real, imaginando como são e porque são deste modo e não de outro. Por outro lado, tais construções são poderosos indicadores da mesma realidade.

A escravidão dos autóctones, encerrada formalmente em fins do século XVIII, implicou a assimilação biossocial dos que sobreviveram ao extermínio e ao cativeiro. O fenótipo dos brasileiros indica as fortes presenças indígena, européia e africana na constituição das características corpóreas da população. A cor da pele, os traços fisionômicos, o porte físico e o tipo de cabelo demonstram a imensa mestiçagem do país. Os brasileiros carregam nos seus genes suas origens, mas sempre houve espaço para a inclusão de imigrantes de outras proveniências. O problema é perceber que suas culturas não necessariamente as compreendem. A negritude e as origens indígenas encontram dificuldades de afirmação nos processos representacionais da nação brasileira. É mais fácil que os brasileiros se imaginem como europeus, mesmo que suas características biossociais revelem algo diverso.

Entretanto, as bases materiais das culturas do país terminam por se impor, especialmente, em traços de comportamento gregário e afetivo especiais, que remetem à velha África, às Américas pré-colombianas e aos povos ibéricos. Diferentemente de outras formações históricas, a brasileira notabiliza-se pelo baixo nível de xenofobia. Raramente, alguém foi ou é julgado e admoestado por aqui por ter origem nacional distinta. A tendência dominante é a da incorporação, da aceitação do outro, principalmente se ele não se assemelha aos que são discriminados no país. Ser estrangeiro no Brasil é um sinal de distinção, de se pertencer a um grupo superior aos nascidos no país. A descendência de estrangeiros, revelada por sobrenomes e características fenotípicas européias e, mesmo, orientais, consiste em inegável vantagem social. Os brasileiros de origem tendem a reverenciar os que vêm de fora, aceitá-los a priori e considerá-los rapidamente como parte da vida social.

Os casos conhecidos de xenofobia foram e são poucos e dificilmente elevados ao nível do ódio radical e da tentativa de destruição do estrangeiro. Ao contrário, sempre foi mais fácil os naturais do país serem discriminados pelos mesmos. Faz-se pilhéria com a dificuldade de alguns imigrantes falar o português, com aspectos de seus hábitos, mas isto não implica, ou implicou no passado, em guetificações ou a impossibilidade de se trabalhar e de viver em comunidade. Há registros de casos pontuais e de grupos com pendores desta natureza. Entretanto, nada disto é comparável ao que se conhece na história de inúmeros países.
A regra étnica geral do Brasil situa os mais brancos no topo e no meio da pirâmide social, no que refere a apropriação da renda nacional. Os mais escuros tendem, com exceções, a estar na base, no modo em que as etnias organizaram-se na constituição da modernidade brasileira. Há evidências inquestionáveis que a cor da pele e outros atributos físicos são elementos cruciais para as possibilidades de mobilidade social. Quanto mais branco, as possibilidades são maiores. A cor escura ou a origem ameríndia claramente definida tornam a ascensão mais difícil, bem como a manutenção de posições alcançadas. Isto vale, mormente, para os afrobrasileiros descendentes dos escravos, mas, também é válido para os mestiços do caldeirão étnico local e os que descendem das populações ameríndias.

No Brasil, muito se conhece das migrações forçadas de fora para dentro do seu território, especialmente, com os quatro séculos de tráfico internacional de escravos africanos. Dentro da colônia, sabe-se o mesmo com o aprisionamento de índios do sertão - as entradas e as bandeiras - para alimentar o mercado interno de escravos, até o século XVIII. No século XIX, o país já independente conheceu a migração massiva alguns milhões de europeus, ocorrida, em larga escala, entre 1850 e 1930, no afã da substituição do trabalho escravo, do povoamento de regiões estratégicas e dos esforços das primeiras tentativas de industrialização.

Na modernidade, o movimento de pessoas pelo território brasileiro passou a ser, sobretudo, interno. As regiões mais pobres, sobretudo a nordeste, alimentaram, com o envio de milhões de seres humanos, vários projetos econômicos no norte e, mais ainda, no sudeste e no centro-oeste. Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra, a vinda de estrangeiros era pouco expressiva quantitativamente, apesar de algumas ondas pontuais de imigração, sobretudo dos vindos da península ibérica. Mais recentemente, o país tem mantido sua tradição de recepção de imigrantes vindos de toda parte do mundo, agora, mormente, da Ásia e dos demais países da América Latina.
foto blog montreal
Brasileiros abandonando o país, no mesmo tempo, era fato praticamente desconhecido, por efeito do número inexpressivo dos que iam para o exterior para ficar, no pós-guerra. Somente nas últimas duas décadas é que se começou a notar a existência de uma nova diáspora. O principal destino dos brasileiros deste tempo vem sendo a ida em massa para a América do Norte e para alguns países europeus. A existência de emigrantes brasileiros espalhados pelo mundo é algo que ainda surpreende os corações e mentes dos seus compatriotas.

Não existem cifras absolutamente confiáveis sobre o exato tamanho dos emigrantes que saíram do Brasil nos últimos vinte anos. Algumas estimativas falam em quatro milhões, outras cortam pela metade este número. Entretanto, os brasileiros são bastante visíveis mundo afora. Mesmo não se sabendo quantos realmente são, pode-se dizer que são muitos, pelo menos, algo próximo de dois por cento da população total. Como o Brasil é um país muito populoso, tal número não representa muito, considerando-se, por exemplo, as diásporas dos países vizinhos, notadamente a do Uruguai e a da Argentina. Todavia, o impacto da ida de brasileiros para outros países é bastante visível socialmente e, hoje, fortemente representando pelas mídias do país. Ir para o estrangeiro passou a ser uma das opções de vida possíveis, principalmente, para os jovens. Isto alimenta os sonhos de bem-aventurança de milhões.
[6] Mapa da Distribuição Espacial da População, segundo a Cor ou Raça - Negros e Pardos". IBGE, 2008.
fim da introdução  

Subtítulos das próximas partes do estudo:
  • A realidade política quebequense e a imigração
  • A tentativa das acomodações razoáveis
  • A cidade e a imigração
  • Brasileiros em Montreal
  • A parole dos brasileiros
  • Entrevistados de Montreal
  • Conclusões
  • Bibliografia
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