Nesta quarta parte do estudo, vemos o final do subtema que o autor desenvole. O autor fala ainda sobre o imigrante e o multiculturalismo e possíveis dificuldades de convivência na sociedade quebequense.
Leia aqui a parte I, parte II, parte III, parte V , parte VI , parte VII , parte VIII e parte IX
Brasileiros de Montreal
Luís Carlos Lopes
A realidade política quebequense e a imigração (final)
A questão da imigração, por exemplo, vem ocupando um espaço maior do que as velhas reivindicações nacionalistas. Não poucos culpam os imigrantes pelas derrotas plebiscitárias e dizem que eles preferem o Canadá ao Quebec. Entretanto, foram 50,59% dos eleitores quebequenses que escolheram permanecer, pelas mais diversas razões, como parte da confederação canadense. No lugar onde o voto não é obrigatório, 93,5% dos eleitores resolveram comparecer as urnas.
Os imigrantes nacionalizados que também votam não tinham como alterar esta tendência, por mais que, de fato, tenham migrado para o Canadá e não para uma província específica. Certamente, a tendência eleitoral dos mesmos foi dividida, possivelmente, em alguns lugares pendeu para a permanência do status quo. Estes votos foram tangidos pela mesma ameaça velada de desemprego e de esvaziamento econômico, que foram decisivos nos dois pleitos. O governo central e os imensos interesses econômicos e políticos internacionais envolvidos conseguiram o que queriam, isto é, manter a unidade do país.
Uma das conseqüências desta nova situação política foi o esmaecimento da aliança simbólica dos quebequenses com os povos do terceiro mundo. O sentimento de que todos estariam no mesmo barco sofreu duros estremecimentos e as percepções político-sociais do problema vêm se alterando em profundidade. Entretanto, não desapareceram por completo, restando nichos de solidariedade e de cooperação com os povos dos países pobres, e a manutenção de laços de simpatia com os excluídos da face da Terra.
A tradição do Quebec de fornecer asilo e de dar ajuda humanitária permanece intacta, bem como a permissão da livre organização, nos limites da lei, dos que vieram de regiões conflagradas pela guerra, miséria e opressão política. Como em todo o mundo, a queda do socialismo real, simbolizada pelo fim do Muro de Berlim (1989), tornou mais fluida a tendência aos ideais socialistas, presente nos anos de vida política da região. Como por toda parte, o pensamento mais à esquerda refluiu.
Uma outra diferença está no fato de que o projeto ‘nacional’ do Quebec é agora menos universal. Continua-se a lutar por mais direitos para a província, em dubiedade com a questão potencial da formação de um novo país. Isto vem resultando em um ‘nacionalismo provincial ou paroquial’, que busca, de modo ambíguo, raízes culturais próprias e se incomoda com a presença física e simbólica de milhares e milhares de imigrantes. A compatibilização da presença dos imigrantes com os velhos e novos problemas políticos do Quebec é um desafio que vem atordoando os partidos políticos, intelectuais e o governo da província.
A tentativa das acomodações razoáveis
O relatório Bouchard-Taylor (2008) que acaba de ser publicado [13], em papel e na Internet, é o resultado do trabalho de uma Comissão, que se debruçou sobre o problema dos conflitos reais e potenciais entre os imigrantes e os quebequenses de origem. Gérard Bouchard, um dos responsáveis desta Comissão, é um intelectual com vários livros sobre a história do Quebec e sobre os problemas relativos às culturas de seus habitantes. É bastante conhecido, circulando entre a universidade, as mídias, os partidos políticos e as autoridades governamentais. Charles Taylor é, igualmente, um pensador importante, não tão conhecido midiaticamente como seu companheiro de empreitada, mas com uma longa atuação no meio universitário e no ambiente político da província.
Encontrar respostas e propostas para o problema vem alimentando o debate político em escala cada vez maior. Nessa situação, as vozes mais ouvidas são a dos quebequenses de origem e com alguma autoridade acreditada. A parole dos imigrantes surge nas entrelinhas das mídias, algumas vezes de modo direto, em outras, intermediada por quem tem interesse em fazer com quem ela tenha influência na discussão. As comunidades de imigrantes mais organizadas têm-se manifestado de modo mais efetivo. Elas aproveitaram o ensejo das ações da Comissão para defender publicamente seus pontos de vista. O mesmo ocorreu com os que se consideram franco-canadenses e habitam o Quebec. [14]
O relatório que os autores citados escreveram é um documento ímpar por reunir dezenas de argumentos, por vezes, conflitantes, e por propor soluções para o convívio interétnico harmônico na província. Este, também chamado de acomodações razoáveis, é o que resume o entendimento local do problema. Segundo este, ter-se-ia de se encontrar uma forma de fazer com que a sociedade local diminuísse suas tensões. Desejar-se-ia que o sistema cultural instalado continuasse a funcionar sem fissuras alarmantes. A missão que lhes foi dada consistiu em levantar problemas e encontrar soluções, a pedido do mais elevado nível do governo da província.
A Comissão foi nomeada pelo primeiro ministro do Quebec, Jean Charest, em ato de fevereiro de 2007. Foi-lhe destinada um orçamento de cinco milhões de dólares e suas atividades foram divididas em 13 pesquisas. Estas foram levadas a cabo por especialistas vindos das universidades quebequenses. Além, de inúmeras reuniões e assembléias, seus dois presidentes viajaram por toda a província ouvindo pessoalmente os pontos de vista de milhares de habitantes, em sessões públicas, altamente midiatizadas. Durante todo o ano de seu funcionamento, o assunto não saiu da agenda da imprensa e não deixou de criar imensa polêmica no universo simbólico local. Não há notícia de nada parecido na história do Quebec. Nem mesmo nos intensos debates dos dois referendos, houve tanta discussão e tanto interesse despertado, desta vez, entre todos os habitantes da província.
Sucessivos debates, enquetes e levantamentos geraram um relatório de 310 páginas. Este documenta a visão quebequense do problema da convivência com os imigrantes oriundos de toda parte do mundo conhecido. O ponto de apoio adotado pelos autores foi o do mal-estar dos que se intitulam canadenses franceses e habitam o Quebec, potencialmente incomodados com a presença de múltiplas culturas em seu país. Este tem sido entendido como uma crise identitária a ser superada.
Os problemas das diversas religiões trazidas de fora, em especial os relativos à muçulmana, tiveram especial destaque. As questões das diferenças de costumes, em especial, em relação à posição social da mulher foram intensamente mencionados. O estranhamento dos quebequenses em relação às culturas vindas com os imigrantes revela, por outro lado, as características do chamado multiculturalismo [15]. Este afunda em contradições quando religiões, costumes sociais e outras crenças coabitam o mesmo espaço social.
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notas: [13] Ver: http://www.accommodements.qc.ca/ [14] Existem pequenas comunidades de origem francesa em outras províncias do país. [15] A expressão multiculturalismo provoca a construção de várias acepções, por vezes, bastante contraditórias.Vem sendo usada em inúmeros países. No Canadá, o multiculturalismo está em lei de 1971, editada em pleno governo de Pierre Trudeau, no contexto da Guerra Fria e da pior crise entre o Quebec e o governo central do Canadá. Na lei, se reconhece a existência de uma sociedade multiétnica, isto é, formada por diversas origens, nacionalidades e culturas. Na prática, o chamado multiculturalismo vem significando concretamente, por toda parte, a existência de sociedades hierárquicas, que convivem com inúmeros recortes, onde cada grupo ocupa o seu lugar, sem interferir - como se tal fosse possível - no funcionamento geral da totalidade social e na prevalência dos grupos com maior poder. A sociedade multicultural encontraria, hipoteticamente, sua harmonia em seu processo de hierarquização. O sistema multicultural, não raro, dificulta a integração dos imigrantes.
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O que já vimos:
parte I – Resumo, Apresentação e Introdução : Estudo sobre a presença dos imigrantes brasileiros em Montréal . Interessante a abordagem histórica do autor sobre "a busca do paraíso" na introdução. Ele volta a discorrer o assunto em A parole dos brasileiros e na conclusão.
parte II - Nesta segunda parte do estudo Brasileiros de Montreal, o autor fala sobre os imigrantes do Brasil. Discorre acerca da discriminação entre os naturais do país. Em contrapartida, analisa a distinção feita pelos nativos aos estrangeiros, principalmente de nacionalidade européia.
parte III - A realidade política quebequense e a imigração
Nesta terceira parte do estudo, o autor é didático ao subtema que desenvolve.
Subtítulos das próximas partes do estudo:
- A tentativa das acomodações razoáveis (final)
- A cidade e a imigração
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