13 de fevereiro de 2009

Brasileiros de Montreal – parte III

A realidade política quebequense e a imigração

Brasileiros de Montreal – parte III 

 

Nesta terceira parte do estudo, o autor é didático ao subtema que desenvolve.

Veja aqui a parte I, parte II, parte IV, parte V, parte VI, parte VII, parte VIII e a parte IX  do estudo.

 

Brasileiros de Montreal
Luís Carlos Lopes

A realidade política quebequense e a imigração (introdução)

A questão da imigração está no centro da agenda política de vários países europeus, dos Estados Unidos e do Canadá. O incrível aumento do volume dos que desejam viver nestes países, e os problemas decorrentes deste fato vêm sendo discutidos em inúmeros espaços reais e simbólicos. Trata-se de tema recorrente das mídias, das campanhas eleitorais e das discussões públicas sobre a ação estatal. No chamado primeiro mundo, fala-se muito sobre os imigrantes e não existem consensos sociais absolutos sobre o problema.

Algumas forças, mais à direita, propõem o controle férreo sobre a entrada e a presença dos mesmos. Outros, mais moderados, desejam políticas de imigração que priorizem as necessidades de cada país, aceitando sistemas de seleção e de direcionamento feitos de acordo com o que se deseja em cada região. Obviamente, é muito difícil disciplinar a vinda dos imigrantes, que fazem de tudo para alcançar seus objetivos.

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No caso específico do Canadá, as possibilidades de maior controle existem e são criteriosamente praticadas. Mas, nada disto impediu que se formasse uma forte polêmica sobre o problema. As mídias locais vêm de há muito levantando questões referentes à validade sociopolítica da vinda e permanência de imigrantes e o conflito potencial entre os de descendência local e os que vêm de fora. Foram publicados panfletos de propaganda anti-imigrante [7] e livros acadêmicos [8] mais sérios tentando, de pontos de vista diversos, esclarecer o mesmo problema. Pode-se falar de uma agitação midiática da questão, que alcançou uma ampla repercussão sociopolítica.

Isto ensejou, nos últimos anos, alguns confrontos importantes. Eles se deram, principalmente, no domínio da manifestação da discordância de alguns grupos sociais. Felizmente, não ocorreram muitos casos onde o ódio étnico foi levado ao extremo. Todavia, é possível perceber a existência de uma tensão e de um mal-estar, tanto dos imigrantes, como o sentido pela população natural do Quebec. Isto ganhou maior potência, após os trágicos acontecimentos do 11 de setembro de 2001. A proximidade de Nova York - 600 km de Montreal - e a forte presença muçulmana no Canadá foram ingredientes significativos para um claro aumento das tensões.

O Canadá é oficialmente um país bilíngüe. Fala-se inglês e francês, além de centenas de outras línguas praticadas pelos autóctones e pelos imigrantes vindos de todo o mundo. A sua população total chega a mais de 31 milhões de habitantes [9], dos quais quase 18 milhões têm o inglês como língua materna e quase sete milhões nasceram no ambiente francofônico. Os demais tiveram, na origem, as centenas de línguas dos lugares de onde vieram. Destes, apenas 219 mil falam português e 345 mil, o espanhol. A imensa maioria dos falantes do francês habita a província conhecida pelo nome de Quebec. Pequenos núcleos francofônicos são encontráveis nas outras regiões do país.

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Os significados da mesma parole [10] jamais foram iguais para todos. Para os nativos, isto é, aqueles que se reconhecem como quebequenses pure laine [11], discutir o problema da imigração tem sido mesclado com as questões derivadas da história política local. A afirmação nacional vem parecendo, para alguns, ameaçada pela presença de outros povos e culturas distintas. A inquietação entre os imigrantes não tem sido pequena. Afinal, para eles, discutir as relações estabelecidas com o país e a sociedade de acolhida significa falar do presente e, em especial, do futuro a ser vivido por lá.

O nacionalismo quebequense sofreu vários golpes, nos últimos quarenta anos. O projeto de se tornar um país independente do Canadá foi, mais recentemente, praticamente abandonado pelas forças políticas locais, permanecendo, fundamentalmente, como peça de retórica. Não há, presentemente, a assunção da idéia de que não se deseja mais a independência, mas se está muito longe de se reivindicá-la a plenos pulmões como no passado recente. Fala-se, agora, em soberania, esquecendo, ao contrário da famosa placa de identificação dos automóveis [12], do ideal independentista. Os “negros brancos da América” (Vallières, 1968) se tornaram, espantosamente, mais claros e próximos aos ideais de vida do lado rico da América do Norte. Depois de dois plebiscitos (1980-1995) mal-fadados e das imensas modificações do estatuto da província frente ao conjunto do país, tudo se tornou diferente.

 

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[7] Ver, dentre outros, os livros de Bernard Thompson, Mathieu Bock-Côté etc.

[8] Ver livro de Victor Armony.

[9] Dados do Censo geral do Canadá referente ao ano de 2006.

[10] Parole seria, segundo Philippe Breton, a substância do processo comunicacional, isto é, o conjunto de atos de fala, de gestos, de uso de símbolos etc usados para que uma população se comunique entre si.

[11] Expressão de uso corrente no Quebec, que quer dizer de origem local, isto é, vindos de há muito da França. Os quebequenses são capazes de apontar a genealogia de suas famílias, recuando a até duzentos anos atrás ou mais. Os de ‘lã pura’ seriam os ‘donos’ da terra, do Canadá francês, como alguns gostam de dizer. Os sobrenomes desses habitantes indicam o pertencimento a uma das famílias que veio colonizar o Canadá Com isto, são excluídos os indígenas, os de origem anglofônica e os imigrantes do pós-guerra. São incorporados os frutos de uma pequena tradição de mestiçagem.

[12] Québec - je me souviens. Quebec - eu me lembro. Ver:


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Opino, que de tudo que lemos acima, o Québec, é uma das províncias mais tolerantes e abertas aos imigrantes que conhecemos. A frase: "Je me souviens", é muito presente nas vidas dos québecoises. Eles vivem sua história, cantam em músicas... Isto de certa forma faz do Québec um estado diferenciado do resto do mundo.

Mas as observações do autor são pertinentes, principalmente ao remeter à 11 de setembro, e ao fato de Montreal e Nova York serem cidades tão próximas.
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Subtítulos das próximas partes do estudo:
- A realidade política quebequense e a imigração (continuação)
- A tentativa das acomodações razoáveis
- A cidade e a imigração
- Brasileiros em Montreal
- A parole dos brasileiros
- Entrevistados de Montreal
- Conclusões
- Bibliografia

Se você está chegando agora no Blog,
leia a parte I e a parte II do estudo: Brasileiro de Montreal

 

Artigos relacionados:

La devise «Je me souviens» (L'encyclopédie de L'AGORA)

Je me souviens... (Café Montreal- Blog da Ana e Lior)

Je me souviens! (Blog:De Anchietópolis ao Québec)

Je Me Souviens - Lara Fabian (vídeo youtube)

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