Chegamos à penúltima postagem do estudo Brasileiros de Montreal, com a finalização de Entrevistados de Montreal (final)
Luís Carlos Lopes
A amostra indica que, possivelmente, a maioria dos imigrantes brasileiros que vivem em Montreal proveio das classes médias brancas brasileiras. Quase todos tiveram enorme dificuldade para exercer suas profissões de origem. A maioria não conseguiu. Os que conseguiram são casos especiais, onde suas formações de origem foram refeitas ou complementadas nas universidades locais. Outros foram legitimados por virem das universidades e ambientes de trabalho norte-americanos, fatos estes, bem aceitos no mundo quebequense. Notaram-se também os casos de aproveitamento nas especialidades de muita carência no país e de outros onde se precisava de brasileiros para funções específicas. As inúmeras conversas informais mantidas com brasileiros de Montreal confirmam os dados desta amostra.
Uma das realidades encontradas entre os imigrantes entrevistados foi a do casamento interétnico. Dos entrevistados, sete são casados com homens e mulheres quebequenses, uma com um canadense anglofônico e uma casada com um europeu imigrante para o Canadá. Duas imigraram com seus maridos brasileiros e, em Montreal, se divorciaram. Dois casais formados no Brasil continuam casados com as mesmas pessoas, um há muito tempo, o outro é um casal relativamente jovem, com dois filhos, e recém-chegado. A amostra não permite conclusões absolutas sobre a situação do casamento entre os brasileiros. Entretanto, indica a forte presença da solução de se casar com alguém do país. Sabe-se que existem casos, mas não foi entrevistado ninguém que houvesse se casado com um imigrante do terceiro mundo.
Os brasileiros de Montreal são pessoas, em sua maioria, com um nível de instrução formal e real bem desenvolvidos. São cônscios das dificuldades que enfrentam e não parecem ter qualquer arrependimento da decisão que tomaram. Ao que se sabe, os que se arrependem tomam o caminho do aeroporto para sempre, ou para voltar em outra oportunidade. Trata-se de gente bastante empreendedora, disciplinada e capaz de trabalhar e estudar com afinco, no caminho de alcançar os seus objetivos. De modo geral, apresentam como razão para seus atos alguma decepção vivenciada no Brasil. É voz geral a questão da insegurança urbana e da criminalidade. Vários foram vítimas diretas ou indiretas deste problema e saúdam o fato de não mais ter que conviver com o mesmo.
As questões da tolerância e liberdade sexuais são muito ventiladas pelos imigrantes homossexuais, que, em Montreal, sentem-se mais livres, podendo viver sem maior pressão social. Os usuários de drogas leves sentem-se mais protegidos, isto porque nesta cidade a perseguição e incriminação dos que as usam é praticamente inexistente. É comum se ver nas ruas, jovens consumindo a cannabis sem medo da prisão, da corrupção policial e do processo judicial. Por lá, combate-se mais o tráfico e bem menos seus milhares usuários. A possibilidade de viver em uma metrópole, sem o temor gerado pela criminalidade, pela ação policial violenta e por efeito das pressões dos preconceitos sociais, seduz e leva à escolha do mesmo local. (clique em "leia mais" para terminar a leitura)
As respostas dadas sobre as razões da opção de migrar se afastam do tradicional desemprego ou da situação de miséria enfrentado pelos imigrantes mais pobres. Trata-se de gente das classes médias que vêem sua vida no Canadá de outra forma. Estão longe de parecer com os valadarenses [35] nos EUA. Estão lá para conseguir o que acham que perderam em seu país natal ou para acompanhar os seus cônjuges. Querem, dentre outras coisas, a cidadania canadense, mantendo a cidadania brasileira. Desejam os diplomas das universidades locais e a prova de que exerceram funções em locais de trabalho do Quebec. Isto, quando conseguem empregos formais, além das ocupações temporárias do subemprego local. Sabem da impossibilidade de enriquecer no país ou fazer uma poupança expressiva para levar para o Brasil.
É possível estudar gratuitamente, nos poucos casos onde se procura o segundo grau profissionalizante oferecido em Montreal. O ensino superior público local é pago, em todos os seus níveis e estabelecimentos. Entretanto, um sistema de empréstimos combinado com bolsas não reembolsáveis, contratados na universidade, garante a possibilidade de se viver modestamente no país, por alguns anos, sem a obrigatoriedade de se ter um trabalho estafante. Conheceram-se pessoas que já viviam há algum tempo, combinando este sistema, com trabalhos precários e ocasionais. Tal prática consiste em um dos expedientes que permite que a imigração se sustente do ponto de vista econômico. Pode-se chegar até ao doutorado, procedendo deste modo.
Ostentar um currículo com registros escolares e profissionais no exterior é um sinal de distinção. Algo que pode ter pouco valor material, mas possui valor simbólico especial. Este poderá ser usado no futuro no Brasil ou em outro país. Na prática, conseguir isto é bastante difícil. Uma parte substancial dos imigrantes vive o subemprego ou o trabalho precário em toda sua vida de trabalho no país anfitrião. De modo geral, apenas uns poucos conseguem atingir posições mais facilmente ocupadas pelos quebequenses. Concorrer com estes, no mesmo mercado, significa participar numa competição bastante desigual.
Contam-se nos dedos os médicos, professores de nível médio e universitário, engenheiros etc que estão, presentemente, trabalhando nos hospitais, escolas, universidades e empresas da cidade. São tão poucos, que são conhecidos e servem de referência aos demais imigrantes. Na burocracia do serviço público local, são, igualmente, pouquíssimos os brasileiros empregados, bem como os de outras origens. Quase sem exceção, leva-se muito tempo para se alcançar postos desta natureza. Do subemprego até ao posto fixo e ao salário palpável há um longo caminho a percorrer, cheio de dificuldades e impossibilidades. Há quem passe uma vida sem completar esta jornada.
Restam aos brasileiros as funções mais simples da economia local, notadamente no setor de serviços e em alguns empreendimentos industriais. O pequeno comércio urbano e as atividades liberais, tais como a do ensino livre do português e as apresentações artísticas, são usadas como estratégias de sobrevivência. Não se sabem quantos brasileiros, atualmente, são remunerados pelos serviços assistenciais do Quebec. Estes permitem a sobrevivência mínima, em situação de desemprego ou a complementam, se necessário, no caso do emprego precário e famílias com filhos.
Os imigrantes brasileiros em Montreal, mesmo quando já nacionalizados e considerados na forma da lei, canadenses, continuam se achando brasileiros. Quando retornam ao Brasil, em visita, continuam se reconhecendo como brasileiros, apesar de já terem o passaporte do país de adoção. Sentem-se assim, também no Canadá. A dupla nacionalidade é mais do que um expediente legal. Trata-se de um sentimento compartilhado de não se afastar por completo do país de origem. Este continua sendo amado e considerado o melhor lugar do mundo.
Os imigrantes costumam a criticar veementemente, não sem razão, aspectos da vida política brasileira, sobretudo a corrupção e a falta de direitos de cidadania. A primeira é hoje vista, acompanhando-se a onda midiática sobre este habitus concreto do país, como uma das razões que justificaria ir embora do Brasil. Os brasileiros tendem a desconhecer que política e corrupção se irmanam, em graus distintos, em todo o mundo conhecido. Tem sido freqüente o noticiário de casos da mesma prática, ocorridos no Quebec. A questão da cidadania versus os anos de instabilidade política e econômica das últimas décadas também é apontada como outra das razões para migrar.
Não são estranhas a vários dos entrevistados, formalmente e informalmente, as dificuldades reais da permanência em Montreal. Eles comentam as adversidades que viveram e que é comum o abandono do Quebec e a ida para a região anglofônica. Não poucos fazem a jornada até mesmo na direção da longínqua Vancouver, no extremo oeste do país. Sabem que é mais fácil conseguir um emprego formal, por exemplo, em Ontário, e que a tolerância étnica teria progredido mais nessas regiões. Entretanto, Montreal ainda atrai muitos brasileiros. A ponte cultural imaginária entre o Brasil e esta cidade parece menor e mais fácil de ser transposta. Os brasileiros são muito marcados por suas subjetividades. Seus sentimentos têm importante papel em suas decisões.
A parole dos brasileiros de Montreal foi imortalizada em uma obra de arte. A peça de teatro intitulada Ma couleur est verte, mon cœur est jaune [36] de Marilda de Carvalho, imigrante há mais de 15 anos, resume na fala e na ação de alguns personagens os problemas enfrentados pelos brasileiros em Montreal. O texto foi encenado algumas vezes e, por felicidade, pôde ser visto em 2007. Os atores, quase todos imigrantes de várias nacionalidades, encarnaram em um teatro fora do circuito comercial, a percepção dos brasileiros. Seus personagens representam as variações tipológicas e geracionais encontráveis no cotidiano urbano da cidade. Sua imensa sensibilidade permite que se vejam seus dramas e comédias, nas situações construídas pela autora. O texto esclarece que a opção pela imigração é um caminho com vários desvãos e que o sentimento dos brasileiros, frente ao que vivem, oscila entre a tristeza e a alegria espontânea da cultura que portam. Demonstra que, como a autora, mesmo vivendo no país há vários anos, eles continuam membros da comunidade verde-amarela.
Notas:
[35] A cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, ficou famosa nas mídias brasileiras, por efeito de ter sido fortemente noticiado o fato do elevado número de seus habitantes que foi tentar a sorte e a vida nos EUA, a partir da década de 1980. Alguns dos quais, chegaram a rumar para o Canadá em outro contexto.
[36] Minha cor é verde, meu coração é amarelo. Marilda de Carvalho era professora universitária de arte dramática no Brasil (UNESP) e no Canadá dirige uma pequena companhia de teatro e usa de vários pequenos trabalhos para sobreviver. A peça, infelizmente, ainda não foi encenada no Brasil.
É possível estudar gratuitamente, nos poucos casos onde se procura o segundo grau profissionalizante oferecido em Montreal. O ensino superior público local é pago, em todos os seus níveis e estabelecimentos. Entretanto, um sistema de empréstimos combinado com bolsas não reembolsáveis, contratados na universidade, garante a possibilidade de se viver modestamente no país, por alguns anos, sem a obrigatoriedade de se ter um trabalho estafante. Conheceram-se pessoas que já viviam há algum tempo, combinando este sistema, com trabalhos precários e ocasionais. Tal prática consiste em um dos expedientes que permite que a imigração se sustente do ponto de vista econômico. Pode-se chegar até ao doutorado, procedendo deste modo.
Ostentar um currículo com registros escolares e profissionais no exterior é um sinal de distinção. Algo que pode ter pouco valor material, mas possui valor simbólico especial. Este poderá ser usado no futuro no Brasil ou em outro país. Na prática, conseguir isto é bastante difícil. Uma parte substancial dos imigrantes vive o subemprego ou o trabalho precário em toda sua vida de trabalho no país anfitrião. De modo geral, apenas uns poucos conseguem atingir posições mais facilmente ocupadas pelos quebequenses. Concorrer com estes, no mesmo mercado, significa participar numa competição bastante desigual.
Contam-se nos dedos os médicos, professores de nível médio e universitário, engenheiros etc que estão, presentemente, trabalhando nos hospitais, escolas, universidades e empresas da cidade. São tão poucos, que são conhecidos e servem de referência aos demais imigrantes. Na burocracia do serviço público local, são, igualmente, pouquíssimos os brasileiros empregados, bem como os de outras origens. Quase sem exceção, leva-se muito tempo para se alcançar postos desta natureza. Do subemprego até ao posto fixo e ao salário palpável há um longo caminho a percorrer, cheio de dificuldades e impossibilidades. Há quem passe uma vida sem completar esta jornada.
Restam aos brasileiros as funções mais simples da economia local, notadamente no setor de serviços e em alguns empreendimentos industriais. O pequeno comércio urbano e as atividades liberais, tais como a do ensino livre do português e as apresentações artísticas, são usadas como estratégias de sobrevivência. Não se sabem quantos brasileiros, atualmente, são remunerados pelos serviços assistenciais do Quebec. Estes permitem a sobrevivência mínima, em situação de desemprego ou a complementam, se necessário, no caso do emprego precário e famílias com filhos.
Os imigrantes brasileiros em Montreal, mesmo quando já nacionalizados e considerados na forma da lei, canadenses, continuam se achando brasileiros. Quando retornam ao Brasil, em visita, continuam se reconhecendo como brasileiros, apesar de já terem o passaporte do país de adoção. Sentem-se assim, também no Canadá. A dupla nacionalidade é mais do que um expediente legal. Trata-se de um sentimento compartilhado de não se afastar por completo do país de origem. Este continua sendo amado e considerado o melhor lugar do mundo.
Os imigrantes costumam a criticar veementemente, não sem razão, aspectos da vida política brasileira, sobretudo a corrupção e a falta de direitos de cidadania. A primeira é hoje vista, acompanhando-se a onda midiática sobre este habitus concreto do país, como uma das razões que justificaria ir embora do Brasil. Os brasileiros tendem a desconhecer que política e corrupção se irmanam, em graus distintos, em todo o mundo conhecido. Tem sido freqüente o noticiário de casos da mesma prática, ocorridos no Quebec. A questão da cidadania versus os anos de instabilidade política e econômica das últimas décadas também é apontada como outra das razões para migrar.
Não são estranhas a vários dos entrevistados, formalmente e informalmente, as dificuldades reais da permanência em Montreal. Eles comentam as adversidades que viveram e que é comum o abandono do Quebec e a ida para a região anglofônica. Não poucos fazem a jornada até mesmo na direção da longínqua Vancouver, no extremo oeste do país. Sabem que é mais fácil conseguir um emprego formal, por exemplo, em Ontário, e que a tolerância étnica teria progredido mais nessas regiões. Entretanto, Montreal ainda atrai muitos brasileiros. A ponte cultural imaginária entre o Brasil e esta cidade parece menor e mais fácil de ser transposta. Os brasileiros são muito marcados por suas subjetividades. Seus sentimentos têm importante papel em suas decisões.
A parole dos brasileiros de Montreal foi imortalizada em uma obra de arte. A peça de teatro intitulada Ma couleur est verte, mon cœur est jaune [36] de Marilda de Carvalho, imigrante há mais de 15 anos, resume na fala e na ação de alguns personagens os problemas enfrentados pelos brasileiros em Montreal. O texto foi encenado algumas vezes e, por felicidade, pôde ser visto em 2007. Os atores, quase todos imigrantes de várias nacionalidades, encarnaram em um teatro fora do circuito comercial, a percepção dos brasileiros. Seus personagens representam as variações tipológicas e geracionais encontráveis no cotidiano urbano da cidade. Sua imensa sensibilidade permite que se vejam seus dramas e comédias, nas situações construídas pela autora. O texto esclarece que a opção pela imigração é um caminho com vários desvãos e que o sentimento dos brasileiros, frente ao que vivem, oscila entre a tristeza e a alegria espontânea da cultura que portam. Demonstra que, como a autora, mesmo vivendo no país há vários anos, eles continuam membros da comunidade verde-amarela.
Notas:
[35] A cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, ficou famosa nas mídias brasileiras, por efeito de ter sido fortemente noticiado o fato do elevado número de seus habitantes que foi tentar a sorte e a vida nos EUA, a partir da década de 1980. Alguns dos quais, chegaram a rumar para o Canadá em outro contexto.
[36] Minha cor é verde, meu coração é amarelo. Marilda de Carvalho era professora universitária de arte dramática no Brasil (UNESP) e no Canadá dirige uma pequena companhia de teatro e usa de vários pequenos trabalhos para sobreviver. A peça, infelizmente, ainda não foi encenada no Brasil.
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